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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

GUERRA DO ULTRAMAR COMEÇOU HÁ 50 ANOS


Tinha uns tenrinhos 10 anos quando começou a Guerra do Ultramar.
Nunca pensei que me tocasse a mim.
Fui despedir-me de um primo que partiu para Angola no "Pátria".
Lembro-me dos gritos, das lágrimas e dos lenços a acenar despedidas.
E do monstruoso tamanho do barco.
Quando somos pequenos tudo à nossa volta é gigantesco.
Outro primo voou para África meses depois.
Deu-me uma prenda, um carrinho amarelo que rodava preso por um fio à volta de uma ventosa.
Esse disse adeus para sempre.
O avião que pilotava explodiu ao descolar de São Tomé e Príncipe.
A seguir marchou um tio. Foi curtir um desgosto de amor para as selvas de Moçambique.
Esteve lá 10 anos isolado. O meu avô não o deixara casar com a amada lá da terra.
E eu a ver os anos a passar. Chegaria a minha vez?
Amigos e vizinhos desapareciam da minha vida, todos com o mesmo destino: África.
O meu primo alferes de caçadores passou-se com a guerra no Norte de Angola.
Trouxe com ele 14 cabeças de pretos que ele matara. Perdeu dois dos seus homens em combate.
Uma vez, ladino como era, deixei as alunas de explicações da minha madrinha histéricas.
Corria atrás delas com as caveiras dos pretos e apareceu a Polícia.
Felizmente apareceu o meu tio, um imponente tenente da GNR e da Legião Portuguesa.
Comecei a ver cenas lancinantes quando estava internado num hospital na Parede.
Observava os mutilados de braços e/ou pernas que se amontoavam num anexo escondido.
O regime de Salazar ocultava os estropiados em "tocas" de um pinhal denso.
O meu pai tentava todas as noites ouvir a BBC em português depois do "Angola É Nossa" na E.N.
No liceu falávamos nos intervalos das aulas sobre a aproximação da idade militar.
A "coisa" estava a ficar preta...
Fui dar o nome ao CICA na Avenida de Berna, em Lisboa, e a inspecção em Setúbal, no R.I.
O capitão-médico perguntou-me: "Ó filho da puta, vês a parede atrás de mim?"
"Sim", respondi,
Catrapum ! O carimbo "APTO" esmagou a minha cédula militar de mancebo.
Antes de ir para a tropa acabei com as namoradas. Não queria  preocupações atrás de mim.
Abandonei uma delas perto da estação do Cais do Sodré. Ela chorava. Eu sentia um nó na garganta.
Nunca mais a vi.
O meu pai levou-me a Santa Apolónia e segui para a recruta em Santarém.
Depois a especialidade, em Lamego, no Centro de Instrução de Operações Especiais,
Aquilo nos Rangers era mais perigoso e mais duro que a guerra. Onde me fui meter, chiça !
Já graduado, fui mobilizado no Batalhão de Caçadores de Elvas.
Transferência no mesmo dia para o Regimento de Infantaria de Tomar.
Batalhão formado para Angola em Santa Margarida, na véspera de Santo António.
Ainda cheguei a tempo a Alfama para me embebedar como nunca nos santos populares.
Depois...
Fico por aqui!

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