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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

SISMOS - Ó pernas para que te quero

Na madrugada de 28 de Fevereiro de 1969 a terra tremeu em Lisboa com um sismo violento de magnitude 7,3 da escala de Richter. Tal como aconteceu agora em Christchurch, na Nova Zelândia, o tremor de terra provocou vítimas, pânico e elevados estragos materiais. Tenho o sono pesado mas, não sei porquê, assim que a cama abana acordo imediatamente. Foi o que aconteceu nessa noite quente de Fevereiro. Levantei-me de um salto, corri às escuras pela divisão da velha casa no Bairro Alto até chegar ao quarto onde se encontravam a minha mãe e o meu irmão mais novo. Pelo caminho, encontrava-me na divisão mais afastada da porta da rua, além de ter de equilibrar-me como se navegasse num navio no alto mar, senti cair a chaminé da cozinha e o grande candeeiro da sala de jantar.
Cheguei junto à cama da minha mãe e disse-lhe para fugirmos.
"Não, filho, eu quero morrer aqui com o teu irmão!" -- sussurrou ela com a voz embargada pelo terror. "Está bem, mas eu não quero ficar aqui soterrado", respondi-lhe. Dei-lhe um beijo de despedida e forcei a porta da escada até ela abrir.
Esperava-me 92 degraus de um quinto andar para atingir, se conseguisse, a rua. O prédio pombalino do Bairro Alto oscilava e rangia. Mas lá resistia. Choviam vidros da enorme clarabóia central. Galguei os degraus saltando de patamar em patamar. O rugido do sismo que saia das entranhas da terra em fúria sobrepunha-se à queda de tijolos e do estuque. Ouvi um berro atrás de mim: "Corre, porra!"
Era o José António, o meu vizinho do lado que estava prestes a embarcar para a Guiné, como furriel-miliciano enfermeiro.
Finalmente chegámos à rua. Ainda o prédio não terminara de baloiçar e por pouco não fomos atingidos pelas telhas do beiral e pedras das varandas. Já relativamente a salvo num largo a uns metros da nossa morada demorámos uma eternidade até recuperarmos o fôlego. Acabáramos de fazer umas das mais perigosas corridas das nossas vidas. O alcatrão queimava-nos os pés descalços e feridos dos cacos que pisáramos. O ar encontrava-se anormalmente quente e pairava um intenso odor a enxofre que realçava a vermelhidão de um céu que deveria estar escuro àquela hora.
A pouco e pouco juntava-se uma pequena multidão naquele largo tão bem-vindo num sismo como uma ilha para um náufrago. Passado o choque daquela irritação da Natureza fui observando uma verdadeira passagem de modelos de pijamas, cuecas, roupões, camisas de noite, baby-dolls e, finalmente, pude apreciar a vizinha do 1º andar do nº3, uma loira bombástica só em tanga e soutien, que era corista num teatro de revista.
O cagaço deu lugar à cobiça masculina, apesar de ela ser uns dez anos mais velha que eu. Mirei-a até ela regressar a casa. De repente lembrei-me: "Ai a minha mãe!"...
Em 69, tremi mas não caí...

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