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sexta-feira, 11 de março de 2011

O meu 11 de MARÇO de 1975


1ª página do "Diário de Lisboa" sobre o 11 de Março

Encontrava-me em Lamego quando se desencadeou o golpe militar do 11 de Março de 1975. Era aproximadamente meio-dia e fazíamos exercícios de fogo real na Serra das Meadas. O ambiente de rara beleza natural acentuado pelo manto de neve estremecia com os disparos secos das G-3, o matraquear das HK-21, MG-42, Bren, Dreise e outras máquinas de matar de cadência rápida, intercalados com as explosões  imponentes dos morteiros 60 e 81.  Um jipe chegou em grande velocidade pelo caminho de terra. O alferes trazia uma mensagem urgente (relâmpago) para o oficial que se encontrava a comandar os grupos de Rangers que afinavam a perícia com as armas. O tenente leu a mensagem, chamou os oficiais e sargentos e conferenciaram. Os rostos fechados não auguravam boas notícias. 
O material bélico foi recolhido rapidamente para as Berliet e os Unimog e em menos de um fósforo iamos a caminho do Centro de Instrução de Operações Especiais. 
Os Rangers estavam sempre preparados para qualquer eventualidade com um grau de prontidão mais rápido que a própria sombra. Chegados ao quartel, depará-mo-nos com uma actividade ainda mais frenética que o normal. Montavam-se anti-aéreas quádruplas Breda, armadilhava-se locais estratégicos, espalhavam-se bidões de combustível pela parada. O pessoal estava todo armado e municiado até aos dentes. 
O oficial-de-dia, um tenente que sobrevivera milagrosamente no Ultramar à explosão de minas sob a sua Berliet por duas vezes, não teve papas na língua para informar todo o pessoal: 
-- Camaradas, a Força Aérea revoltou-se e anda a bombardear unidades em Lisboa. Não sei quem está a favor ou contra quem, mas aqui a questão é simples. Qualquer filho da puta que se atreva a aproximar do quartel é abatido! Está entendido ? A gente está com a revolução do 25 de Abril mas o nosso quartel é sagrado. Aqui ninguém mete as patas. Destroçar e cada um para o seu posto de combate. 

[Elementos ligados ao movimento, incluindo António de Spínola. Reuniram-se em casa do major Martins Rodrigues.

8:00 – O coronel Moura dos Santos, comandante da Base, perante oficiais e sargentos, fez um briefing explicando os objectivos políticos, alvos a atingir e meios a utilizar. Os majores Mira Godinho e Neto Portugal e o capitão Brogueira reuniram com os comandantes e pilotos, distribuindo as missões que a cada uma cabia.
8.30 – Os oficiais, sargentos e praças da Base Aérea nº 3 foram informados de que a instrução normal do princípio da manhã fora cancelada. Perto, no regimento de Caçadores pára-quedistas, o coronel Rafael Durão reuniu os oficiais para lhes explicar a operação, dizendo ter recebido ordens do CEMFA (Chefe de Estado Maior da Força Aérea), o que não era verdade
.
9:00 – Em Tancos, entrou em cena o general Spínola que, no seu estilo grandiloquente, falou em nome da «pureza do processo de 25 de Abril», dizendo que para evitar «a prostituição das Forças Armadas», era preciso dizer “basta!” à escalada comunista. Enquanto o general perorava, na pista, aviões T-6, helicópteros e helicanhões eram abastecidos e municiados.

9:40 – Na Base Aérea nº 6 (Montijo) , o coronel Moura de Carvalho, comandante da base, colocou em estado de alerta todos os meios aéreos.
10.30 – O major Casanova Ferreira, comandante distrital da PSP de Lisboa, deu conhecimento do golpe a alguns oficiais daquela corporação.
10:45 – De Tancos, descolaram os seguintes aviões: dois T-6 armados com metralhadoras e ninhos de foguetes anti-pessoal, pilotados pelo major Neto Portugal e segundo-sargento Moreira, tendo como alvos, além do R. A. L. 1, as antenas da R. T. P. e Forte do Alto do Duque; dez 10 Allouette III, transportando um grupo de 40 pára-quedistas. Dois dos helicópteros estavam armados com canhão, tendo como missão o bombardeamento do R.A.L.1. Eram pilotados pelos major Zuquete e major Mira Godinho, aos canhões estavam os alferes Oliveira e primeiro-cabo Carapeta. Na operação inseria-se o lançamento sobre Lisboa de panfletos, missão que foi executada por dois dos heli-transportadores, pilotados pelos capitão Oliveira e tenente Jacinto. Os restantes heli-transportadores eram pilotados pelos alferes Chinita, alferes Afonso, alferes Mendonça, segundo-sargento Ladeira, segundo-sargento Souto e furriel Emaúz; três Noratlas com 120 pára-quedistas destinados a cercar o R.A.L.1.- dois T-6 desarmados, com missão de intimidação. Eram pilotados pelo capitão Faria e alferes Melo, ambos da B.A.7 e em diligência na B.A.3.
11:00 – O comandante da B.A.5 (Monte Real) o coronel Naia Velhinho, recebida uma indicação vinda de Lisboa por via normal, colocou a base em estado de prevenção rigorosa.
11:15 – A B.A.6 (Montijo) entrou também em prevenção rigorosa.
11:30 — Todas as Unidades da Força Aérea passaram a prevenção rigorosa. A esta hora chegaram à B.A.5, num Aviocar vindo de Tancos, o coronel Orlando Amaral e o tenente-coronel Quintanilha. Recebidos pelo comandante da Base, e na presença dos majores Simões e Ayala, enunciaram os tópicos da operação. Invocando o general Spínola, pediram a Velhinho que enviasse aviões F-86F para fazer passagens baixas de intimidação sobre o RAL1, a Avenida da Liberdade e o quartel-general do COPCON. Desconfiado, o comandante telefonou CEMFA, não obtendo resposta conclusiva. Entretanto o major Simões fez um briefing com os pilotos da esquadra dos F-86F, repetindo o que escutara no gabinete do comandante da base. Alguns oficiais manifestaram-se imediata e abertamente contra, recusando-se a aderir àquilo que, desde logo, configurava um golpe de direita.
11:45 — Chegaram à B.A.3, de helicóptero, o brigadeiro Lemos Ferreira e o tenente-coronel Sacramento Marques, delegados do C.E.M.F.A. e C.E.M.E., procurando esclarecer a situação.
11:45,/11:50 – O RAL.1 começou a ser atacado pelos T6 da Base Aérea nº 3, sendo atingidas as casernas dos soldados e os principais edifícios do aquartelamento. Morreu o soldado Joaquim Carvalho Luís e houve 15 feridos e muitos estragos nas instalações da unidade. Neste, ataque foram consumidas 220 munições de metralhadoras calibre 7,7mm e 99 foguetes Sneb 37mm anti-pessoal dos T-6 e 318 munições de MG-151 de 20mm dos helicanhões.
11:50 – Na base do Montijo aterraram dois helicópteros Alouette III, estando um armado. O héli desarmado aterrou numa das ruas de acesso à placa, tendo deixado um pára-quedista ferido e cujo piloto, o alferes Chinita, também ferido, viria a ser recuperado pelo heli-canhão uns metros mais à frente.
12:00 – Tropas pára-quedistas, do Regimento de Pára-quedistas de Tancos, sob o comando do major Mensurado cercaram o RAL 1. À mesma hora o COPCON iniciara a movimentação para neutralizar o golpe, ocupando o Aeroporto e encerrando-o ao tráfego civil No Quartel do Carmo, oficiais da G.N.R. no activo e outros afastados do serviço, comandados pelo major Freire Damião, prenderam o comandante-geral e outros oficiais fiéis ao MFA.

12:05 – As forças do RAL 1, comandadas pelo capitão Diniz de Almeida, tomaram posições de combate e estabeleceram um perímetro de segurança, ocupando prédios em frente do quartel.
12:20 – Da Base de Tancos descolaram três helicópteros Allouette, com 12 elementos para sabotar as antenas do Rádio Clube Português, em Porto Alto. Um deles estava armado com canhão, sendo pilotado pelo segundo-sargento Leitão, tendo ao canhão o segundo-sargento Bernardo de Sousa Holstein. Os outros dois eram pilotados pelo alferes Laurent e segundo-sargento Serra. A esta hora, da Base do Montijo descolaram cinco helicópteros com destino a Tancos tendo um deles levado o pára-quedista ferido ao Hospital da Força Aérea no Lumiar e juntando-se aos outros na Chamusca.
12.45 – No exterior do RAL 1 ocorreu o diálogo entre o capitão Diniz de Almeida e o capitão pára-quedista Sebastião Martins gravado pelas câmaras da RTP: “Diniz de Almeida: – porque é que o camarada não vem comigo ao COPCON? Reconhece ou não a autoridade do COPCON? o General Carlos Fabião, o Chefe do Estado Maior do Exército? Os nossos chefes deram-nos ordens contrárias…A si de atacar…a mim de me defender…Porque não deixamos que eles discutam o assunto? Sebastião Martins: – As Forças Armadas não estão consigo. Diniz de Almeida: – Se assim for, não terei a mínima dúvida em me render à maioria. Mas, que eu saiba, o Exército está connosco, a Marinha está connosco, só vocês é que não. Sebastião Martins: – Vamos ver. Vamos então esperar que os nossos chefes decidam.” Os dois comandantes, Coronel Mourisca do RAL 1 e Major Mensurado dos pára-quedistas deslocam-se ao Estado Maior da Força Aérea para esclarecer a situação e tentar um acordo]
Com o Centro de Instrução de Operações Especiais já preparado para "receber" quem quer que fosse com o rótulo de "IN" (inimigo), organizámos a segurança activa fora do perímetro do quartel, ocupando pontos estratégico em redor da cidade com pequenos grupos emboscados e a perspectiva de ir ao aeródromo de Vila Real rebentar com aquilo tudo. 
Com a fuga do general António Spínola e dos cúmplices do golpe para Espanha o objectivo da pista de Vila Real deixou de ser um objectivo concreto mas tomámos todas as estradas em redor de Lamego durante dias a fio. 
Felizmente, apesar da morte do soldado Joaquim Luís e de vários feridos no bombardeamento do Regimento de Artilharia, em Lisboa, o bom-senso prevaleceu e evitou-se por um triz uma sangrenta guerra civil. 
Já lá vão 36 anos.  


      Duas Chaimites em posição no 11 de Março                          

1 comentário:

  1. Caro Tozé, Excelente registo da fita temporal do 25 de Novembro. Estava interessado em obter mais informações sobre as duas Chaimite na fotografia, pertenciam ao RALIS ou ao Regimento de Comandos? E em que zona de Lisboa? Obrigado, Pedro Monteiro - pmonteiro.reports [at] gmail.com

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