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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ANTÓNIO CAPELA, o anarquista incorrigível que OLIVEIRA SALAZAR livrou das garras da PIDE !


Trabalhei cerca de 20 anos com umas das personagens mais fascinantes que passaram pela minha vida. O António Capela era um fotógrafo fantástico e conhece-mo-nos no mundo frenético da Comunicação Social. Como repórter não conheci outro com tanto talento com tão poucos meios em comparação com algumas pseudo vedetas da arte da imagem que nunca lhe chegaram aos calcanhares em termos profissionais. Como pessoa era um anarquista puro e duro, implacável com o seu sarcasmo corrosivo quer estivesse numa roda de amigos ou na cerimónia oficial mais solene. 
A sua personalidade era de tal modo invulgar que o próprio Zeca Afonso o incluiu numa das suas canções. A "Teresa Torga". 

No centro a da Avenida
No cruzamento da rua
As quatro em ponto perdida
Dançava uma mulher nua
A gente que via a cena
Correu para junto dela
No intuito de vesti-la
Mas surge António Capela
Que aproveitando a barbuda
Só pensa em fotografá-la
Mulher na democracia
Nao é biombo de sala
Dizem que se chama Teresa
Seu nome e Teresa Torga

Muda o pick-up em Benfica
Atura a malta da borga
Aluga quartos de casa
Mas já foi primeira estrela
Agora é modelo à força
Que a diga António Capela
T'resa Torga T'resa Torga
Vencida numa fornalha
Nao há bandeira sem luta
Nao há luta sem batalha 

No tempo restritivo e obscuro da Ditadura, o António Capela dava cabo da cabeça aos temidos agentes da PIDE. Quando regressava a Portugal depois de efectuar reportagens em países de Leste, erguia o punho cerrado e gritava em pleno Aeroporto de Lisboa, ou do Porto, "Viva o comunismo! Avante camaradas!" para espanto de tudo e todos. E lá seguia o seu caminho sem que ninguém alguma vez o incomodasse com aquelas tiradas e gestos proibidos a qualquer outro. 
Depois do 25 de Abril, mudou o "slogan" e em pleno PREC revolucionário clamava alto e bom som "Viva Salazar!". Era um anarquista provocador, genuinamente anti-sistema, fosse ele qual fosse, e depois  acelerava rua fora no seu velho e ferrugento Hillman Imp verde, tão famoso quanto ele nas artérias da capital. 


Numa visita protocolar à China, o António Capela deixou a comitiva portuguesa lívida quando o dirigente chinês mostrou, orgulhoso a Praça Tianamen, proferindo o comentário "reunimos aqui meio milhão de camaradas nas cerimónias oficiais", ao que ele contrapôs "olha que coisa, lá em Portugal juntamos 1 milhão de pessoas no Santuário da Cova de Iria". E prosseguiu na sua paixão de fotografar deixando para trás chineses e portugueses a engolir em seco a chalaça. 


Sportinguista de berço, o António Capela movimentava-se nas instalações do clube como se estivesse em sua casa. Nos anos 70, o Sporting contratou para treinador o lendário Alfredo Di Stefano, actualmente presidente-honorário do Real Madrid. No jogo de apresentação, o resultado mantinha-se teimosamente em 0-0 e a exibição dos "leões" deixava muito a desejar. O António Capela entrou pelo balneário dentro sem pedir licença a ninguém e perante um Alfredo Di Stefano completamente pasmado disse aos jogadores: "Rapazes, isto não tem nada que saber. Tu marcas fulano, tu marcas sicrano, tu encostas à esquerda, tu entras pela direita, joguem ao primeiro toque e cruzem da linha para a área". A equipa leonina reentrou em campo e ganhou por 2-0. 
No dia seguinte, o mundialmente famoso treinador do Sporting e deu uma entrevista ao jornal espanhol "A Marca", afirmando: "Saí de um clube de doidos onde um fotógrafo louco é quem manda na equipa". Sem mais. 
São intermináveis os episódios que poderia contar sobre o inimitável António Capela, mas há um que sempre me impressionou especialmente devido aos intervenientes. 


A PIDE, como atrás relatei, não apreciava as graçolas "vermelhas" do irreverente Capela e um dia o director, major Silva Pais, mandou um inspector prender o insurrecto fotógrafo anarquista-populista-provocador. Pouco antes de os  agentes saírem para cumprir a missão o telefone tocou na secretária do inspector Silva Pais. Este, quando reconheceu a voz do outro lado do fio, saltou da cadeira e ficou hirto  quando ouviu: "O senhor director não tem mais ninguém para aborrecer  do que incomodar o senhor António Capela?" E desligou. Era o professor António Oliveira Salazar em pessoa a ordenar o cancelamento dessa operação. Durante anos este caso despertou-me a maior curiosidade. Cada vez que pedia ao Capela que me revelasse a razão da intervenção do ditador ele sorria misteriosamente. "Sou um gajo porreiro!", respondia invariavelmente, e desviava de imediato o rumo da conversa.  
O resto da história só anos mais tarde me foi relatada por um amigo comum, o Henrique Parreirão, mas comprometi-me a guardar segredo para não gerar mal entendidos. 

Há cerca de 15 anos a filha de António Capela faleceu na sequência de uma doença imperdoável. E ele, o incorrigível anarquista, desistiu de viver...

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